terça-feira, 22 de março de 2011

Onda do rio

Eu nunca pensei bem sobre o nosso final, mas se ver por esse lado eu também não acreditava em cinema nacional.

Coisa mais bonita aquela lá
Do outro lado do rio
Um cárcere de palavras andantes.

Palavras sossegam enquanto nos falam
E palavras maltratam quem as dispense
Ou as desperdice.
Quem foi que as mal-disse?

De certo essas águas 
Afrontando os dicionários
Com suas onomatopéias.

Presas e ungidas.

Você, e você, de novo você, mas hoje só aqui... 
Se eu te tirar do papel te mato
Jamais maltrato.

Gostou de mim até onde as palavras alcançam
Meu bem, palavras não andam
Falam e estancam.

Ainda bem que onda de rio não me afoga.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Canção de como o mundo é. . .

É que se esse mundo fosse
feito para ser doce,
fosse eu quem eu fosse,
acho que, doce eu seria. . .
O mundo é assim pra mim.
Vou parar de te querer assim,
tão pertinho de mim,
enquanto ainda não é dia.

Descansar de um coração. Ou dois

A noite não tarda a nascer e eu custo a entender. Durante certo tempo ficamos a esperar que florissem os ipês roxos. Esperamos tanto, lembra? E agora um ipê floriu. Só um único ipê em toda a rua. E eu já me cansei de não entender o porquê dessa estranha mania que a vida tem de me deixar longe de ti; de não entender porque esse ipê chegou tão atrasado ou tão apressado, esparramando flores pontudas pelo chão. Ele sabe que estou longe de ti? Ele está só esperando para que em baixo dele nos sentemos até o sol ir embora? Em todo mundo, só eu sei que teu coração anda cansado, pois assim anda o meu também. Cansado de não entender. Eu sei do teu coração. Eu e o ipê que vem florir em qualquer estação, para fazer descansar um coração. Ou dois.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Mil passadas antes de dormir.

Olhou-se no espelho uma última vez naquela noite. O que restara? Espremeu os olhos, numa careta estranha. Ainda tinha as mesmas feições de que se lembrava. Os mesmos olhos cruéis, os mesmos lábios trincados. Talvez fosse isso, concluiu. Mesmo depois de todas as cambalhotas que sua vida dera, de todas as feridas que se abriram, ainda mantinha a mesma aparência. As cicatrizes estavam todas escondidas em algum ponto semi vital, que sempre fazia o corpo todo se retorcer ao toque de qualquer pensamento importante.
Aproximou ainda mais o rosto. Olhando bem, assim de perto, é que ela via algumas pequenas mudanças. Nada que pudesse ser notado, claro. Duvidava que se lembrassem de como era antes. Havia abaixo das sobrancelhas o mesmo olhar fulminante, mas podia ver uma camada extra de pele pesando ali. E as bolsas expostas, como se puxando sua vivacidade para a lixeira do banheiro, também eram novidade. Pensando bem, estava acabada. Seria a única no mundo a perceber isso?
Sentiu aquela coisa pinicante que todos sentem antes de chorar, como um impulso enorme de coçar os olhos quando se tem as mãos ocupadas. Mas manteve a altivez. Por cerca de dois minutos, tenho certeza, ela não ousou se mexer. Com medo de mais um instante sozinha com o próprio tempo, e com o próprio reflexo, pegou a escova de cabelo e penteou-os compulsivamente, com uma força desnecessária. Sentiu raiva ao ver o quão embaraçados estavam, e lançou-a para longe com toda a força.
Com as mãos tremendo, correu para o telefone. Discou um dos dois únicos números para os quais podia ligar, e cada segundo em silêncio parecia uma vida inteira.
Caixa de mensagens.
Xingando baixinho, foi à cozinha e virou dois copos d’água de uma só vez, como se fossem aliviá-la de quaisquer tormentos. Vagou pelos corredores da pequena casa como se não fossem acabar jamais, enquanto cantava uma música para ocupar a cabeça. Num flash de distração, se pegou pensando em que outra demonstração eles poderiam desejar para entender que não podia mais.

Ela entendia, ela via as forças, a coragem, tudo escorregando por entre suas mãos.
O que aconteceria depois que o estoque acabasse?
Sem ter a menor idéia de por quantas outras noite agüentaria lutar com os próprios pensamentos, tratou de reler um livro antigo pela qüinquagésima vez. Pelo menos haveria uma desculpa para seus soluços inconstantes.

sábado, 5 de março de 2011

Bilhete da aurora

O que há de mais paisagístico
Em debruçar-se nessas janelas que dão para o mundo
São, justamente, esses jardins orvalhados
Com suas flores origamis caleidoscópicas
Que parecem desabrochar
No momento em que acordas
Onde em tudo há um convite à vida!