sábado, 19 de fevereiro de 2011

Hei de escrever-te um livro

Hoje hei de escrever um livro
E que trará o que sou e o que sei que sei
Mas cujas páginas de mais valor
Trarão impresso o sangue que não mencionei

Hoje hei de escrever um livro
Com mais cânticos que a própria escritura
Tanto usada por pobres como armadura
Quanto como prova de que a vida é dura
E que teve dias dos mais gentis

Obra essa, de primeira vã,
Certamente triste ao ponto de pagã
Mais triste fará sua ínfima autora
Se ao fim do ponto não se vangloriar pessoa
Tão rancorosa quanto não é o poeta

Comprada por quem o ler
Talvez lida por quem quiser fazer
E quem sabe achada, logo depois da ceia
Por alguém que pague uma vida inteira
Pelo pecado de por-lhe as mãos

E nessa obra escrita em folhas rotas
Hei de prender de mim o que for nuance
Esperas apenas mais algum romance?
Nunca será o que fui ou foi
Só um fantoche de meu próprio transe

Hei de escrever um livro
Saberei dizer, sucumbirá ao tempo
Não haverá repercussão dos séculos
Nem fortes ventos
Em seu auge vindos em seu favor

E ainda assim, com tamanho afinco
O farei despejo do que me foi vindo
O mundo acaba, não antes que nós,
- Em nossos versos lindos -
Ouçamos bradar mais uma vez um grito
Murmúrio pardo que farei ouvido

Pois esse livro
É mais que sentença
Há de ser tua culpa, e com tua licença
Minha libertação

Vou logo que saiba de minha tristeza
Soubeste ver em mim a realeza
Mas minhas feridas alçam maior vôo
Do que jamais tuas asas

E verás enfim o que de belo há em um tumor maligno
Já que a carcaça escassa do que me restar, o que de feio e pobre, como que em castigo
Hei de deixar que leve contigo.



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